Déia

I
Quedas serenamente estirada sobre o canapé.
Ao longo do corpo meus olhos tateiam tua geografia.
Há saliências e sulcos, picos e depressões.
Pontos devassados e misteriosos coexistem. Uns ainda
Não totalmente explorados. Outros virgens. Florestas
Impenetradas que desafiam olhos descuidados.
II
Ressonas sobre minhas coxas. Teu colo voluptuoso
Sobe e desce demoradamente. Tua respiração, contida,
Diz coisas que só traduzo parcialmente. Minhas mãos
Tateiam teus ombros e braços e o calor de minha pele
Funde-se ao da tua, deslizando suavemente como brisa
Sobre o capinzal tenro na planície antes da florada.
Meus dedos viajam. E despedindo da volúpia de teu colo
Agora lêem as curvas de teu rosto. A hipérbole
delicada
De teu queixo em U, duas vezes apontando
Para o infinito, antecipam a sensualidade carnosa
De teus lábios, convites abundantes a beijos que ainda
não Foram. Acima de tua boca quente, respirando
Compassada a vida. Coluna grega de mármore,
Teu nariz delicadamente em repouso, horizontalmente
Caminha para o alto, atingindo alturas arfantes,
Entre suaves aspas de graúna, traços negros curvados
Em proteção às pérolas, ébanos páreos
Que se recompõem da fadiga da luz. Teus cílios,
guardas Protetores, militarmente ordenados, velam o
sono
Tranqüilo das mãos dadas. Protegida dos raios
atrevidos, Dormes o sono das crianças. Meus dedos, em
paralelo, Caminham suavemente sobre tua nudez alva
E penetram na suavidade de teus cabelos
E os despenteiam em mechas, suavidade sedosa.
A mão vai e volta. As pontas dos dedos
Insistem na releitura delicada do contorno de teu
rosto inteiro.
III
Meus olhos medem-te. Desejo-te. De mim destila um
Sentimento quente quase terno. Sobre teu rosto e corpo
Fantasio o meu. O teu ar delicadamente entra em meus
Pulmões. E a tua respiração dialoga com a minha,
Com meus olhos e tato. O teu calor funde-se ao meu.
E somos, nesta simbiose, uma comunhão diáfana e
concreta. Almas e corpos. Por entre poros, dutos vivos
e ativos,
A cópula assexuada dá-se. Em repouso e êxtase
Misteriosamente nos pertencemos. Somos um.
IV
Ao longe pássaros piam. O cheiro de capim atravessa
O ar e invade nossa intimidade. Carros passam com seus
Motores cansados e buzinas abafadas. Vozes ressoam
Incompreensíveis. De algum lugar o “blues” liberta seu
Lamento negro no ar vindo da vitrola de algum triste.
Insetos passeiam sobre o piso frio da casa em
silêncio. Enquanto isso, os corpos codificam e
decodificam
Mensagens que só o eloqüente silêncio traduz