Pequenos Detalhes

Um beija-flor entrou em minha casa. É sorte! Exclamou Violeta.
É claro que o nome dela não é violeta. Violeta foi o nome que inventei porque não podia colocar o nome dela aqui. Que critérios usei para a escolha? Bem, achei singelo. É o nome de uma flor e ao mesmo tempo sugere bravura, veja : é só colocar um “n” que fica violenta. E é bem isso o que ela é. Já chega levantando os móveis, arrastando os tapetes e limpando tudo com a força dos seus braços. Mas quando o assunto é beija-flor, ela se derrama em delicadeza e alcança a ave com a perícia de suas mãos.
“Olha aqui Dona”, aliás, ela diz “Dõna” com um “o” nasal tão longo que me faz sentir uma velha. Ela tem mesmo esse dom ou esse desdom de me fazer sentir velha. “A senhora não vai olhar pro bichinho” ? Senhora, eu? Tenho vontade de pedir a ela para não me chamar de senhora, mas temo que ela perca o respeito, ou que veja isso como uma incapacidade que tenho em aceitar as marcas do tempo. Recorro à minha autoridade de “patroa” e ordeno que ela solte o colibri. “Mas ele está trazendo sorte pra senhora, segura ele um pouquinho… acho que a senhora devia escrever sobre ele…”
Violeta é uma dessas pessoas que não têm problemas. Como é difícil lidar com pessoas sem problemas! E eu nervosa porque o cartão de crédito quebrou e a moça me diz, depois de meia hora, que outro só na próxima semana. Ai meu Deus! A Internet não conecta e aquele telefonema que eu estava esperando… nada! Ah, uma amiga me liga pra dizer que a filha está doente. Todo mundo tem problemas, menos Violeta.
E isso me cansa, me dá raiva. Violeta nunca faltou, porque nunca foi motivada a faltar. E eu queria que ela faltasse, que falasse menos ou que falasse de outras coisas… mas ela só fala da horta, da parreira de chuchu, do marido que é um santo e que não deixa ela capinar a horta para não estragar as mãos.
Penso que o maior problema de Violeta seja eu. Mas ela não reclama. Está sempre de bom humor a cantar os seus pagodes. Ontem pedi que ela ouvisse Mozart. Não agüentava mais aquele “Vai varrendo…”
Ela ouviu e depois me perguntou para que servia. Arrependi-me. O que eu poderia dizer? Disse então que era pra ela ficar “refinada”. Ela adora essa palavra. Outra que ela gosta também e repete a todo instante é “granfina”. Mesmo com esses argumentos, não consegui convencê-la. “Deixa isso para aquelas pessoas que vivem procurando a Senhora”. Violeta acha tudo muito bonito, mas não tem vontade de ser nada. E isso me humilha, me esmaga! Eu tenho vontade de ser, de crescer, de ter… talvez por isso vivo consumindo as minhas forças, “Dor é vontade de ser” (li isso em algum lugar) e ela não quer ter dor, nem vontades.
Não quer nenhuma lição pedagógica, nem didática. Respeito. Do contrário estaria demonstrando pedantismo e isso também não quero. O desejo profundo do meu coração agora, era ser como Violeta e dizer isso a ela, e abraça-la, beijá-la … mas as minhas melhores palavras ficam sempre presas na garganta. E quando, por alguma força maior, elas querem sair, como agora, distraio a mente com a idéia do jantar, da roupa que vou vestir, do texto que vou escrever… Empino o queixo e digo: Violeta, vê se solta logo esse beija-flor! Ela mansamente obedece.
Ainda bem.
Por pouco não confessei minha vontade de ter uma horta com uma parreira de chuchu, um marido que a capinasse e muitos colibris à minha volta.