Quero Personificar a Vida…

Hoje estou para olhar as formas. Comecei pela minha própria, no espelho. Gostei do que vi, embora tenha consciência de que não beire de maneira alguma o padrão de beleza. Não sou uma mulher longilínea, dessas que vestem qualquer roupa sem culpa porque não sobra uma gordurinha sequer. Puxo mais as brasileiras, roliça, de quadris largos.
Ainda há poucos dias eu estava brigada comigo mesma. Fechava os olhos quando o espelho dizia:”olha aí você”.
Não era eu nada, eu queria era ser bem alta e ter olhos azuis e cabelos lisos. Mas fui ficando com saudade, com saudade de mim. E então a mulher do espelho de repente ficou tão linda! Ela se adora, mas não é narcísica, viu?
Tudo tem uma forma, Caetano e Gil cantaram que “as coisas têm peso, massa e volume”, uma estrutura tridimensional. Ou será que é polidimensional? As coisas podem ter lados ocultos, que só podem ser enxergados com a alma. Por exemplo, ainda outro dia li uma crônica linda da minha amiga Lucilene. Ela dizia que a violeta do vaso é feliz em tão pouquinho espaço!
Veja: é uma prosopopéia (oba, que ainda lembro das tais figuras!), quem já viu alguma violeta por aí dar uma enorme gargalhada? E, no entanto, ela sorri. Ela floriu e sorriu porque minha amiga aprendeu a enxergar o que não se vê.
Há pessoas que brilham. Minha mãe é assim, minha tia também. Eu ainda estou tomando lições no jardim da infância. Mas no meu jardim já tem violeta sorrindo, estou a caminho e um dia ainda chego lá.
A forma guarda e ponto final. Posso mesmo escrever isso: “a forma guarda”. E só. Dentro dela, escondido, é que está o segredo da vida, basta ser curioso. Parece o reverso da Caixa de Pandora, parece que o grande passo é justamente abrir a alma e deixar sair dela tudo que há e que não há.
De repente a gente sobe uma escada e descobre que respira, que os pulmões trabalham, o cérebro, o coração! O coração! Sim, personificar é preciso, amar é bom e viver é o auge. E tão importante quanto viver é distinguir a vida da sobrevivência.
Quem só respira não vive. Eu quero é ver, sujar os pés de terra molhada, sentir a chuva no rosto, andar de braços abertos para abraçar o mundo. Quero beijar quem eu gosto, brigar um pouco de vez em quando, levar um tombo e ralar o joelho, nadar cachorrinho no rio corrente.
Quero pegar uma criança pela mão e dar uma volta na praça. Quero comer algodão doce no parque, andar de roda gigante, tomar sorvete de morango com cobertura de caramelo.
Quero trabalhar na brincadeira e brincar no trabalho. Quero regar a horta, dar banho no bebê, apostar corrida com o vento.
Quero sentir, quero existir, quero viver! Quero, sobretudo, aprender a ser gente! E gente eu sou!