Havia O Cheiro

Havia o cheiro,
cheiro de beijo.
Cheiro molhado de mão esquecida
nas ancas da moça.
Cheiro de moça tão distraída
cheirando a querer.
Havia o cheiro,
cheiro de flores.
Não qualquer flor — uma margarida
sozinha no campo.
Sozinha sorria e ainda não sabia
que iria florescer.
Havia o cheiro,
cheiro de sonho.
Cheiro de gente cheirando tristonho
o dia passar,
a noite passar, passar passarinhos
nas nuvens, sem ver.
Havia o cheiro,
cheiro do mundo
debaixo dos trapos onde o moribundo
tentava sonhar
pois dormir não dava — sonhava que estava
brincando de ser.
Havia o cheiro,
e o cheiro de tudo
começava em mim, findava-se em mim.
E eu, admirado,
nascia entre sonhos e flores e trapos,
nascia no mundo
cheirando a viver.