Literatura 10

Descritivismo não existe só no Realismo

Observe os dois trechos:

Fragmento I:

“Em pé, no meio do espaço que formava a grande abóbada de árvores, encostado a um velho tronco decepado pelo raio, via-se um índio na flor da idade. Uma simples túnica de algodão, a que os indígenas chamavam aimará, apertada à cintura por uma faixa de penas escarlates, caía-lhe dos ombros até ao meio da perna, e desenhava o talhe delgado e esbelto como um junco selvagem. Sobre a alvura diáfana do algodão, a sua pele, cor de cobre, brilhava com reflexos dourados; os cabelos pretos cortados rentes, a tez lisa, os olhos grandes com os cantos exteriores erguidos para a fronte: a pupila negra, móbil, cintilante; a boca forte mas bem modelada e guarnecida de dentes alvos, davam ao rosto pouco oval a beleza inculta da graça, da força e da inteligência. (…) Era de alta estatura, tinha as mãos delicadas; a perna ágil e nervosa, ornada por uma axorca de frutos amarelos, apoiava-se sobre um pé pequeno, mas firme no andar e veloz na corrida. Segurava o arco e as flechas na mão direita caída, e com a esquerda mantinha verticalmente diante de si um longo forcado de pau enegrecido pelo fogo.” (O Guarani, José de Alencar)

Na literatura romântica, a descriçào é subjetiva e idealizada ( observe o quanto Peri é perfeito…), a natureza é sempre exuberante. O Realismo não tem essa pretensão: ele ressalta defeitos, põe em evidência o que há de duro e cruel sobre os seres huamanos. Comapare com o trecho I:

Fragmento II:

” (…) Juliana entrou, arranjando nervosamente o colar e o broche. Devia ter quarenta anos e era muitíssimo magra. As feições, miúdas, espremidas, tinham a amarelidão de tons baços das doenças de coração. Os olhos grandes, encovados, rolavam numa inquietação, numa curiosidade, raiados de sangue, entre pálpebras sempre debruadas de vermelho. Usava uma cuia de retrós imitando tranças, que lhe fazia a cabeça enorme. Tinha um tique nas asas do nariz. E o vestido chato sobre o peito, curto de roda, tufado pela goma das saias ñ mostrava um pé pequeno, bonito, muito apertado em botinas de duraque com ponteiras de verniz.”

O trecho que você acabou de ler está em O Primo Basílio, de Eça de Queiroz. Verifique como o narrador é minucioso e traz à tona, com ressalto, o que há de grotesco na figura de Juliana Tavira.

Não se esqueça de que ambas as escolas descreem: o Romantismo idealiza, o Realismo tem visão devastadora, por vezes meio cruel, o que faz parte do projeto de denunciar os seres e revelar-lhes a face verdadeira.