Cebola de Vidro ( frag.)

Naquela noite de Outono tudo corria normal; o vento soprava com temperatura duvidosa, a areia da praia continuava suja, pessoas eram assaltadas nas ruas por pessoas de terceira geração; tudo corria normal. A sala estava fria e escura. Sentei na poltrona, acendi uma cigarrilha Saint James e coloquei os pés num banquinho quente. Ouço barulho na cozinha; não pode ser Silvia…quem será àquela hora da madrugada? Ouço vozes e dois vultos parecidos comigo se aproximam, andam pela sala e sentam no sofá à minha esquerda.
Eu: Sinto como se os conhecessem. Quem são vocês?
Passado: Sou você jovem!
Futuro: E eu sou você mais velho…seu futuro!
Eu: Sinto, mas não posso conversar com vocês…nenhum dos dois são compatíveis para discutir comigo; você, o meu ontem, é inferior à mim, com idéias que já abandonei e não mais aceito; e você, o meu amanhã, só poderá me confundir com idéias que ainda não estou preparado!
Futuro: Não se precipite! Eu busco sempre em você as minhas respostas, assim como você busca nele ­ seu passado ­ as suas respostas.
Passado: Já eu busco em você ­ não respostas ­ mas, as minhas perguntas, assim como você também tenderá a buscar nele ­ o seu futuro ­ as suas.
Eu: Ora, então eu sou a resposta e a pergunta de mim mesmo?
Futuro: Claro, porque você é o futuro do passado.
Passado: E o passado do futuro. Não percebestes?
Eu: Tolices! Eu sou eu, você também sou eu e você, também.
Futuro: Aí é que você se engana; você É quem pensa que É ! Eu sou quem você pensará que será…
Passado: …e eu sou quem você pensou que foi…
Eu: Mas a minha mente sempre disse que…
Futuro: A mente nunca deve ser a medida de todas as coisas!
Eu: Agora vocês me confundiram!!! Onde está a Verdade, então? Em mim, em você…? Em você outro?
Futuro e Passado: A verdade quotidiana está presente num realismo dinâmico crítico não estático, pois é mutável e relativo; entretanto, a Verdade Absoluta está no ponto final!!! Nós dois possuímos este ponto.
Eu: Os dois possuem a Verdade no ponto final? Como assim?
Futuro e Passado: Não possuÍmos a Verdade; ela nos possui. PossuÍmos apenas o ponto final… É IMPOSSÍVEL SERMOS DONOS DA VERDADE, MAS PERFEITAMENTE POSSÍVEL NÃO SERMOS ESCRAVOS DA MENTIRA.
Eu: Mas que ponto final é este afinal?
Futuro: A minha história é progressiva, pois sou o futuro; meu ponto final é a morte!
Passado: A minha história é regressiva, pois sou o passado; meu ponto final é o nascimento! No momento do seu nascimento você estava lado a lado com a Verdade e não entendia nada.
Futuro: No momento de sua morte você estará lado a lado com a Verdade e entenderá Tudo.
Eu: Então, porém, o que sou eu? Uma Ilusão? Uma perda de Tempo?
Futuro e Passado: Você é o único caminho entre a Verdade e a própria Verdade.
Eu: Então… o que sou…? A Mentira!!???
Futuro e Passado: Não… és a Dúvida !
O vento passando pela janela assobiava uma melodia de Bach. Ou seria Stravinsky? De qualquer maneira o melodioso vento anunciava o Outono. As flores frustradas no campo e o tempo indecifrável pintava o Outono na tela daquele momento meu… de incertezas!!! Tinha convicção de que tinha de fazer algo, mesmo que não soubesse realmente o que deveria ser feito… e realmente não sabia.
Ouço os passos de Silvia descendo as escadas e antes que ela falasse alguma coisa, saí. Ela não encontrou nem a mim e nem aos meus vultos. Ficou apenas com o assobio do vento passando desesperadamente pela janela; dessa vez tocando uma sinfonia desconcertante…talvez Schoenberg.