Banho de Sol

Naquela tarde, de tempos em tempos, Dona Etelvina olhava pela fresta da janela. Hoje quero só ver se ela vai. O tempo não parecia nada bom. Um certo frisson de curiosidade lhe acometia todos os finais de semana. Moça de idade avançada, nunca se casara. Foi ficando, ficando e virou tia. Mas não pensem que a este título ela não lutou bravamente para rejeita-lo. Até pouco tempo, se enfeitava e saia para a vida, quem sabe num baile, num cinema, numa esquina, numa loja….
Não dispensava um pretenso discreto batom vermelho, que ainda hoje, com os lábios já quase murchos teimava em passar.
Mas o tempo passou e Etelvina não casou.
Independente disso, ou talvez por isso, ficou nela um certo ar de romantismo, uma certa frivolidade, talvez por nunca ter seus anseios aplacados, não amadureceu totalmente, ficou no meio do caminho entre a adolescente e a adulta. Vivia mais intensamente a vida alheia que a própria. A mãe antes de morrer se preocupara em deixar para ela com o que viver, não muitas posses, mas algo seguro, que se resumia em três pequenas casinhas amontoadas num mesmo terreno, que alugadas lhe davam o sustento que necessitava. Eram estes três pequenos imóveis o motivo do frisson de Dona Etelvina, não os imóveis, e sim os seus habitantes, aqueles que haviam se mudado há pouco, e mais especificamente aquela garota. Não se sabe porquê, mas Dona Etelvina não gostava dela, e no entanto, no que podia, queria saber da vida da garota.
Gente pobre aquela, chegada do interior, pai, mãe, seis filhos e outro na barriga. Vida dura. Alugou a contragosto seus cômodos para essa gente, mas afinal foram bem recomendados, pareciam gente bem.
Com a mãe conversava sempre que esta podia, atarefada a cuidar de tantos filhos. Senhora fina, educada, de uma delicadeza sem fim, paciência então nem fale com aquela filharada!
Mas dentre todos a que mais lhe chamara a atenção era aquela menina. Devia ter no máximo dezenove, era antipática, parecia que tinha o rei na barriga.
Não era de dar muita confiança, mal dava as horas que era como aquela gente chamava ao cumprimento de bom dia, boa tarde, boa noite….
E era de noite que Dona Etelvina mais gostava de “cuidar” daquela menina.
O namorado ia busca-la após o trabalho e aula, e lá ficavam durante horas dentro do carro, vidros enfumaçados … Dona Etelvina nem sabe bem porquê se interessou pela vida da menina, talvez por ser tão pobre, tão bonita….. mas era seu passatempo preferido, e por isto sentia misto de prazer e irritação.
De repente, o sol apareceu dentre as nuvens e brilhou.
As reflexões e indagações não impediram-na de ir até a janela …
Dito e feito, de par em par, aquela garota esguia abre a janela.
Delicadamente coloca os pés para fora até alcançar o telhado que dava para a cozinha, anda equilibrando-se por ele e sobe na caixa-d¹água.
Estende-se sobre ela para melhor alcançar os raios de sol.
É tanta liberdade que Dona Etelvina quase também a sentia.
Todo mundo fazia comentários, de ternos a maldosos, os de Dona Etelvina eram quase raivosos.
Mas hoje, quase a noitinha, a menina passou de encontro ao namorado, estava bela, corada de sol, cabelos esvoaçantes, olhou de frente para Dona Etelvina, abriu um belo sorriso de alegria e disse: meu irmãozinho nasceu!
Se foi feliz, como se o mundo todo lhe favorecesse com um belo futuro. Foi então que no seu pouco pensar, Dona Etelvina percebeu que o defeito daquela menina era ser jovem, como ela havia sido um dia!