O Contador de Histórias

– O quê? Uma história diferente, que nunca antes ninguém contou? Puxa, mas cada tarefa difícil que você me dá, hein?! Tem algum tema preferido?
– Não, você inventa, pai. Só não quero de fadas e duendes que estou bem grandinho pra isso…
– Hummm, falou o homem da casa! Daqui a uns dias ensino você a fazer a barba!
– Mas eu já faço! Não lembra que você me deu aquele estojo? Então, eu passo a espuma e depois tiro com o palito de sorvete…
– Pôxa vida, o tempo passa mais rápido do que posso imaginar…
– Chega de conversa, pai, conta logo a história que tô começando a ficar com sono…
– Como assim “com sono”? Veja lá se um mocinho de sete anos vai ter sono antes da fantástica história que tenho pra contar…
– É mesmo diferente das outras?
– Noooossa, é uma história tão diferente, tão diferente, que você não será o mesmo nunca mais!
– Então conta logo, eu tô ouvindo!
– Está bem, presta bem atenção: Há muito tempo, aqui nesta cidade, existia um homem de longas barbas brancas.
– Era o Papai Noel?
– Não, não era o Papai Noel e nem vestia vermelho! Era um sábio, eremita. Sabe o que é um eremita?
– Eu não, isso é grave?
– Como assim, grave? Eremita é uma pessoa que vive sozinha sem falar com ninguém.
– Com ninguém mesmo? Mas nem “bom dia”? E quando ele precisava ir ao banheiro e o banheiro estava ocupado, como ele fazia?
– Está aí um problema… Ah! Mas ele morava sozinho, esqueceu? Então não tinha um sujeitinho assim que nem você, que trava a casa toda, né?! Mas deixa eu continuar? Você tá me atrapalhando, sabia?
– Ih, pai, eu só queria saber, ué… continua!
– Pois então, esse homem se chamava Jarbas e vivia no alto de uma montanha. Quer dizer, não de uma montanha, que não existe montanha no Brasil, você sabia? Era um pico, aquele lá da saída, perto da estrada que vai pro sítio da vovó…
– Aquele um que a gente escalou uma vez?
– Aquele mesmo!
– Lembra que a Natália levou um tombaço e ralou os dois joelhos? A gente ficou chamando ela de “chorona” e ela me deu um pontapé… doeu um monte, mas que foi engraçado ver aquela abóbora no chão acabar temperada com manteiga, isso foi!
– Ô menino mais danado você, viu? Vai querer ouvir a história ou não?
– Claro que vou, ora… conta aí!
– Conta a lenda que Jarbas ficou louco de repente, que chegou em casa cansado do trabalho ­ ele era carteiro ­ e encontrou a mulher beijando o vizinho.
– Ó, o cara era corno!
– Que corno, menino?! Sabia que seu linguajar está muito feio nos últimos tempos? Com quem tem aprendido essas coisas?
– Pai, vou falar uma coisa mas você não fica bravo, tá? É você que anda meio ultrapassado, todo o mundo fala assim hoje em dia.
– Como assim ultrapassado? Quantos anos você acha que eu tenho?
– Uns noventa, eu acho.
– Quer ficar de castigo, é? Pois olha bem pra mim: veja se encontra vestígio de barriga e de cabelo branco.
– É, barriga não tem mesmo… mas o pior: cabelo você nem tem mais! Quiáquiáquiá!
– Vai rindo, vai rindo que calvície é hereditária, viu?
– Ai, como você fala difícil: calvície, hereditária… ahahahaha! Nem me preocupo, até eu chegar à sua idade, vou ter preparado o meu velório… ahahahaha!
– Já vi que hoje não é o meu dia. Deixa a história pra outra hora… dorme aí, vai…
– Boa noite, pai!
– Boa noite, filho.
Clic.
– Pai.
– Que é?
– Eu queria dizer uma coisa.
– O quê?
– Primeiro acende a luz.
Clic.
– O que foi?
– Nada. Pode apagar…
Clic.
– Pai?
– Ah, meu Deus! Fala o que você quer!
– Nada não.
– Ó, eu vou sair. Se você me chamar de novo vai levar uma palmada no traseiro!
– Tava brincando.
– Tá bom. Se cobre que tá frio.
– Um beijo, boa noite.
– Boa noite, filho.
– Pai!!!!!!!!
– Ah, não! De novo? Pára com isso, já encheu o saco.
– É que eu queria dizer…
Clic.
– De luz acesa não consigo…
– Por quê?
– Apaga que depois eu digo.
Clic.
– Pois agora diz.
– Sabe, pai, eu queria dizer que você é um péssimo contador de histórias, nem deu sono…
– Puxa, muito obrigado, viu?! Boa noite.
– Espera, eu não terminei…
– Então fala!
– Você é um péssimo contador de histórias, mas é o melhor pai do mundo! Boa noite.